O Outono reaviva em Tomar memórias de outros tempos carregadas de melancolia e de nostalgia.
A animação da tradicional Feira de Santa Iria faz palpitar a cidade, de cor, luz, sons, movimento.
A queda das folhas cansadas após um Verão de fogo, os aguaceiros que caem sem aviso, as nuvens pesadas que tapam o sol intermitentemente, o cheiro espesso e denso a castanhas assadas, a farturas e a pão quente, os risos alegres, os gritos das crianças, criam um ambiente único em que a Natureza e os seres humanos vivenciam simultaneamente um momento de transição e de transformação. Deixou de ser Verão e o Inverno inclemente ainda não é totalmente mestre dos dias.
Mas já se procura a tranquilidade quente dos refúgios, dos abrigos, a proximidade acolhedora das lareiras. Neste ambiente, entregamo-nos mais facilmente à contemplação, à meditação ou à reflexão.
É o tempo ideal para recordar uma lenda antiga, que permanece viva em Tomar: a Lenda de Santa Iria.
Muitas versões existem desta lenda. Propomos aqui uma versão resumida.
Lenda de Santa Iria
Há muito tempo, no ano 651,
na antiga Nabância (atual Tomar), durante as celebrações do Dia de
São Pedro, a 29 de junho, a jovem e belíssima Iria saiu do seu
convento. A jovem Iria era um modelo de virtude e piedade.
Iria,
acompanhada por umas freiras, ia assistir à missa na pequena igreja de São
Pedro Fins, que ficava perto do convento. Depois da missa, Iria
pretendia participar na procissão em honra de São Pedro. As únicas vezes
em que Iria deixava o convento eram para assistir à missa ou rezar.
Iria - um
bonito nome derivado de uma palavra grega que significa “paz” - nascera
em 635 numa família nobre e muito influente. Os pais de Iria,
para a proteger, mandaram-na para uma escola religiosa dirigida por um tio, o
monge Célio. Os seus estudos eram orientados por um conceituado tutor
espiritual, o monge Remígio.
Então, nesse dia 29 de junho do
ano 651, durante a procissão em honra de São Pedro, um jovem
nobre visigodo chamado Britaldo, que
tinha por hábito compor canções perto do rio Nabão, ao ver a
formosa Iria ficou imediatamente
apaixonado. Britaldo era filho do príncipe Castinaldo, que então
governava a Península Ibérica.
Britaldo disse-lhe
que queria casar com ela; Iria não só recusou como também deixou bem
claro que nunca casaria com ele. Desesperado, Britaldo entrou em
depressão. Deixou de comer. Estava tão doente que a sua família chegou a temer
pela sua vida. Para tranquilizá-lo, Iria disse-lhe que pretendia dedicar
a sua vida a Deus, tornando-se freira.
Iria disse também
a Britaldo que o seu coração jamais pertenceria a outro homem.
Mas, infelizmente,
dois anos depois, o monge Remígio apaixonou-se por ela. Iria
recusou os seus avanços. Então Remígio espalhou boatos maldosos, dizendo
que ela estava grávida. Além disso, ele conseguiu fazer com que ela bebesse uma poção que fez a sua
barriga inchar.
Aparentemente grávida, Iria
foi forçada a abandonar o convento, apesar de proclamar a sua inocência. Ela
dizia ter sido vítima de um erro terrível, mas ninguém acreditava nela! Britaldo
acabou por ter conhecimento da sua suposta gravidez e infidelidade. Furioso,
ele ordenou ao seu criado Banão que matasse Iria.
Assim, no ano 653, no
fatídico dia 20 de outubro, quando Iria voltava para casa depois
de visitar um idoso doente, Banão, obedecendo às ordens de Britaldo,
aproximou-se dela e matou-a com um único golpe de espada. O corpo de Iria
foi lançado ao rio Nabão. Depois, seguiu pelas águas turbulentas do rio Zêzere,
acabando por chegar até ao rio Tejo.
Em Tomar, no Convento de Santa Iria, no local onde Iria
foi morta e o seu corpo lançado às águas
do rio Nabão, existe uma cisterna com uma escultura representando Iria
na parede.
Finalmente, o corpo de Iria foi
recuperado, não corrompido, nas águas arenosas do rio Tejo por monges
beneditinos perto da antiga cidade de Scalabis (atualmente cidade de
Santarém).
O tio de Iria, o abade Célio,
recebeu em sonhos a revelação sobre a verdadeira história da sua sobrinha e a
localização do seu corpo. O corpo de Iria permaneceu milagrosamente
incorrupto durante vários séculos.
Britaldo e Remígio,
sabendo do milagre, confessaram os seus crimes, foram a Roma e fizeram
penitência. Uma igreja foi construída no monte arenoso onde o corpo de Iria
foi encontrado. Tão grande era a devoção prestada à santa virgem, que o povo de
Scalabis decidiu mudar o nome da sua cidade para Santarém ("Santa
Irene").
Atualmente, Santa Iria é a
padroeira da cidade de Tomar e deu nome à cidade de Santarém. A
sua festa celebra-se no dia 20 de outubro. Para recordar o martírio de Santa
Iria, todos os anos, nesse dia, realiza-se em Tomar uma magnífica
procissão.
E, em honra de Santa
Iria, centenas de crianças deitam flores ao rio Nabão, perto do
Convento de Santa Iria, no centro de Tomar. É um momento
absolutamente magnífico e algo mágico!
No mês de outubro,
realiza-se igualmente em Tomar a tradicional Feira de Santa Iria.
Para saber mais sobre Santa Iria e ter acesso a outras versões da lenda,
recomenda-se a consulta dos seguintes sites:
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