terça-feira, novembro 09, 2010

MÁGOAS DA ESCOLA, QUEM AS NÃO TEM?

      No livro/ensaio Mágoas da Escola, Daniel Pennac, que foi professor antes de se dedicar exclusivamente à escrita, aborda os problemas da escola e da educação, mas fá-lo de um ponto de vista pouco habitual – o ponto de vista do mau aluno. Em França, o livro foi prémio Renaudot 2007, tendo sido vendidos mais de 800 000 exemplares.

       
        Com este livro, Daniel Pennac desencadeou em França uma grande reflexão sobre a escola e os alunos com dificuldades de aprendizagem, desinteressados e desmotivados. Retrata a sua experiência pessoal enquanto docente de Francês (língua materna). As passagens do livro que me pareceram mais interessantes foram as que relatam a sua luta para criar, estimular e aprofundar o prazer da leitura, em adolescentes mais preocupados com a marca dos tenis ou dos jeans.Daniel Pennac evoca as estratégias que utilizou, com alunos de bairros difíceis, de forma a que estes  redescobrissem o gosto pela leitura e pelo estudo e critica muitos dos tabus que existem à volta da escola actualmente.
        É certo que, por vezes, certas partes do livro, se nos afiguram algo repetitivas. Todavia, basta o relato do quotidiano "do mau aluno" que ele foi e das suas dificuldades de inserção na escola, e, sobretudo, a evocação da sua experiência enquanto docente - funções que desempenhou com gosto, sensibilidade, firmeza, empenho e de forma criativa - para tornar este livro essencial, para talvez vermos a escola de uma outra maneira. De uma maneira mais humana, mais atenta às características dos alunos e às suas necessidades, vencendo o conceito de "má turma" e de "mau aluno".

Sugestão do Kispo:

O Psicólogo Daniel Sampaio escreveu este interessantíssimo artigo sobre o livro "Mágoas da Escola" publicado no jornal Público de 19 de Abril de 2009.

"É um romance-ensaio que todos os professores deveriam ler. Ao contrário de outras obras que insistem em “estratégias”, “metodologias” ou “sistemas” para vencer o insucesso, Mágoas da Escola parte do mal-estar do aluno. Durante anos, os meninos do insucesso interiorizaram a ideia de que valem zero – a classificação que obtiveram em diversas avaliações ao longo dos seus estudos. É daí que Pennac parte – da própria noção de fracasso dos estudantes para a pôr em causa e avançar para uma nova leitura do que é ser “mau estudante”.

Encontrei neste livro o reforço da minha ideia de que todo o trabalho com crianças e adolescentes deve partir não só da observação e escuta activa das suas necessidades, como também da desconstrução dos preconceitos de que são alvo. Um deles, muito frequente, é a expectativa negativa que muitos professores têm sobre a “má turma” e o “mau aluno”, baseada no rótulo afixado aos estudantes, às vezes desde o início do seu percurso escolar. O “diagnóstico” (muitas vezes formulado sem qualquer avaliação rigorosa) do aluno “problemático”, transportado como uma segunda pele desde o 1.º ano de escolaridade, é a versão moderna das “orelhas de burro” da primeira metade do séc. XX, porque serve o mesmo propósito: desqualificar, estigmatizar, excluir.


Perante este rótulo, muitos professores desanimam à partida. Falam de turmas “terríveis”, de alunos “desmotivados”, de famílias “disfuncionais”. Caminham para a sala de aula como quem vai para o manicómio, sem esperança nem alegria: afinal contactam todos os dias com a indisciplina, o abandono e o insucesso, no fundo as marcas visíveis do seu fracasso docente. A culpa, contudo, não é dos professores. Protagonistas de uma escola sem rumo, todos os dias esmagados pela burocracia ministerial, fazem o melhor que podem. E, em muitos casos, conseguem salvar vidas de gente nova, à custa de um grande esforço pessoal ou de uma melhor organização da escola.

Pennac inverte esta leitura. É a partir da própria definição de mal-estar estudantil que se olha para a realidade e se reconstrói a aprendizagem, com a utilização de instrumentos agora tidos como antiquados, por exemplo o ditado e a memorização de textos. Tudo se consegue numa interacção muito viva com os alunos, redefinindo as suas posições desanimadas e co-construindo um novo relacionamento com os livros e a escola. Mágoas da Escola subverte a noção tradicional de que as “bases” são o essencial e que sem elas pouco se poderá fazer, como tantas vezes ouvimos a professores: na ânsia de diminuírem a sua própria ansiedade com o fracasso das crianças a seu cargo, esses docentes empurram a culpa para os que os precederam e demitem-se de lutar, até porque lá está a “disfunção” da família ou a desorganização da escola anterior para tudo justificar. Tal como Pennac, ele mesmo um menino de insucesso que triunfou, muitos dos alunos que hoje têm más avaliações poderão ter melhor futuro, se alguém for capaz de os escutar com atenção e partir do seu “insucesso” para a descoberta de novos caminhos, que passam sempre por aproveitar qualquer coisa que está dentro deles.

Lia eu Mágoas da Escola quando me chegou mais uma notícia do nosso Ministério da Educação (ME). Estará a sua equipa dirigente mesmo preocupada com o insucesso ou a formação dos professores? Estará hierarquizada a formação docente, de modo a garantir menos indisciplina na escola? Parece que não. De outra forma, como compreender o interesse da formação dos professores em crianças “índigo”, creditada e a custo a cem euros? Perante as mágoas, o ME prefere o esoterismo e o ensino sobre coisas que ninguém sabe muito bem o que é. Um professor assim poderá perscrutar essas crianças “especiais”, em vez de se preocupar com os meninos “zero”.

Para que conste."
                                                                                                                                        Fonte: http://esestarreja.wordpress.com/2009/04/19/magoas-da-escola-sg-daniel-sampaio/


Para aceder a outro interessante comentário sobre este livro de Daniel Pennac, publicado no blogue Floresta das Leituras, clique aqui.

Para aceder ao comentário inserido no site O Citador e poder ler um extrato do livro Mágoas de escola, clique aqui.

Boas leituras e boas reflexões!

O Kispo

Sem comentários:

Enviar um comentário